“Heisenberg - o Princípio da incerteza” ou a imprevisibilidade do Amor


Segundo o "princípio da incerteza", definido pelo físico Heisenberg, "não se consegue determinar ao mesmo tempo a posição e o movimento de uma partícula com total precisão". E o que é que isto tem a ver com Teatro? Tudo, segundo o autor Simon Stephens e o encenador da peça, João Lourenço.
Ana Guiomar e Virgílio Castelo, dão corpo e voz a Georgie e Alex. Ela, jovem de 38 anos, ele, um talhante de 75. A peça passa-se em Londres, mas podia ser em qualquer lado. Georgie aborda um homem desconhecido numa estação de comboios dizendo que o confundiu com outra pessoa, mas será que foi realmente isso que aconteceu? Não sabemos e fica ao critério do espectador.
A peça foi escrita em 2015, já havia "apps" de encontros, mas o autor optou por um encontro cara a cara entre dois desconhecidos. E este é o gatilho que espoleta o resto da história.
A peça desenrola-se num diálogo entre estas duas personagens que, aparentemente, nada têm a ver uma com a outra. Mas será que não?
À primeira vista a peça é sobre o amor entre uma jovem e um homem muito mais velho. Mas seria redutor se referisse apenas isso. A peça fala também de solidão, de verdade e mentira, de abandono, de encontros e desencontros, de memórias e saudade - embora o autor nem conheça esta palavra -, fala de aventura, do imprevisível, do envelhecimento, da confrontação com a morte, da incerteza, pois claro. E não são estes temas universais? Os grandes mistérios da Humanidade?
Esta dupla de actores/personagens guia-nos numa viagem que vai do frenesim (e alguma insanidade) da Georgie à ternura do Alex. Da aparente frieza e calculismo da jovem à inocência de um homem maduro. Se a peça fosse um gráfico, a linha estaria em permanente sobe e desce. No fundo, as nossas vidas também não são lineares. E o que é o Teatro se não a representação da Vida? O que procuram os espectadores quando vão ver um espectáculo? Emoções. Alguma identificação com as personagens. Entretenimento. Companhia. Cada um saberá de si. A verdade é que este espectáculo preenche todos estes critérios e mais alguns.
Os actores, cada um no seu estilo, são completamente credíveis e fazem aquilo que os espectadores querem quando saem de casa para ir ao teatro, mesmo, por vezes, não sabendo que querem: sentirem-se tocados, emocionados, vivos!
Quem estiver à espera de um cenário faustoso, realista, com muita parafernália, desengane-se. O cenário é uma espécie de praticável. Vários blocos de madeira que se vão transformando em função das cenas. O resto fica com a imaginação do público que também tem de fazer alguma coisa… Há, no entanto, recurso a imagens em video, filmadas em Londres. A música é variada e passa pelos gostos da personagem interpretada por Virgílio Castelo. A determinada altura deu para bater o pé e abanar a perna. Sobre os gostos musicais da Georgie nada se sabe na peça.
Cada espectador vive a experiência do Teatro de maneira diferente. Mais do que contar a história da peça, vale a pena vivê-la sem preconceitos ou a faca afiada, até porque o talhante é o Alex. Ir ao Teatro é uma experiência de colectivo, de comunhão, de uma confluência de energias. O espectador nem sempre consegue desligar-se da realidade lá fora, dos telemóveis e preocupações, mas desligar é possível e é necessário. Ir ao Teatro devia ser uma espécie de experiência sagrada, um ritual pagão que prepara a Humanidade para a inevitável realidade.
No Teatro Aberto até 28 de Julho de 2024
Teresa Rouxinol | Julho 2024
Foto de Filipe Figueiredo